Somente no final do século XIX, 79 anos após a criação da primeira instituição de ensino superior no Brasil (Escola de Cirurgia da Bahia, criada em 1808), que a mulher conquistou o direito de frequentar o ensino universitário. De lá para cá, incontáveis mulheres passaram a ocupar espaços nas universidades, e não apenas nos bancos da academia, como aprendizes e profissionais em formação. Hoje elas são professoras, pesquisadoras, gestoras, diretoras, pró-reitoras e reitoras, reiterando seu papel de profissionais qualificadas e exercendo o seu protagonismo dentro e fora do ambiente acadêmico.
Na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), o protagonismo feminino tem crescido cada vez mais, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e para o estímulo à equidade de gênero, em que as mulheres deixam o papel de coadjuvante e assumem o papel principal dos estudos, dos seus trabalhos, das suas vidas.
Para se ter uma ideia, dos 32 maiores cargos de gestão na Instituição, entre reitoria, vice-reitoria, pró-reitorias, assessorias e diretorias ligadas ao Gabinete, 17 são ocupados por mulheres, incluindo o mais alto cargo da Universidade. Isso significa dizer que elas estão à frente de mais da metade dos cargos de chefia, o que representa 53,1%.
Considerando somente as pró-reitorias, as mulheres são titulares em seis das sete pró-reitorias que compõem a Universidade, ou seja, 85,7%. Nas assessorias do Gabinete da Reitoria, 40% são chefiadas por, isto é, das cinco assessorias, duas têm liderança feminina. E nas diretorias, mais da metade, 54,5%, tem o comando feminino, onde as mulheres lideram seis das 11 diretorias.
A política de equidade de gênero implementada na gestão universitária rendeu à reitora Cicília Maia o selo ODS Educação, certificação concedida pelo Programa da Universidade de Brasília (UnB) 2030 a unidades de ensino no país que desenvolvem projetos em prol dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A reitora recebeu a comenda em evento realizado em Brasília.
Nós mulheres não cabemos no singular. É muito difícil segmentar as várias versões de nós, mulheres, ao desempenhar todos os papéis que nos são atribuídos. Somos a soma de vários papéis, mulher, mãe, professora, pesquisadora, gestora.
Cicília Maia
Um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) é a luta pela igualdade de gênero, elegendo as universidades como locus fundamentais para o debate crítico e transformador em torno de desigualdades. E este é um dos outros 17 ODS da Agenda 2023 que vem sendo perseguido pela Universidade.
A reitora Cicília Maia destaca que é uma alegria receber a comenda, uma vez que representa uma ação concreta a caminho da igualdade de gênero. Ela entende que é seu papel, enquanto gestora maior de uma Universidade, levantar essa bandeira de luta por todas as formas de igualdade, e propiciar que mais mulheres ocupem cada vez mais espaços de gestão, nas funções que desejarem.
“Nós mulheres não cabemos no singular. É muito difícil segmentar as várias versões de nós, mulheres, ao desempenhar todos os papéis que nos são atribuídos. Somos a soma de vários papéis, mulher, mãe, professora, pesquisadora, gestora”, declara a reitora Cicília Maia.
Ela enfatiza que é missão de cada um lutar por uma sociedade transformadora, com maior inclusão e igualdade entre os gêneros. “Precisamos fortalecer a ideia de que o lugar da mulher é onde ela quiser. Desejo que, em um futuro próximo, a gente esteja celebrando conquistas cada vez mais significativas, em especial no que se trata de igualdade de gênero e combate à violência contra a mulher. Que a gente possa ser livre da forma como quisermos”, destacou a reitora.
Ainda se tratando da liderança feminina, elas ocupam boa parte da direção de unidades acadêmicas, que são cargos eletivos. Inclusiva, a coordenação do Fórum de Chefes de Departamentos Acadêmicos da Uern e do Fórum de Diretoras e Diretores da Uern é feita por mulheres, a Profª Sirleyde Dias de Almeida e a a Profª. Drª. Meyre Ester Barbosa de Oliveira (diretora da Faculdade de Educação – FE, respectivamente.
Para a coordenadora do Fórum de Chefes de Departamentos Acadêmicos da UERN, Sirleyde Almeida, é uma honra de fazer parte dessa instituição que incentiva e valoriza a mulher. “Hoje contamos com 50,6 % da comunidade acadêmica composta por mulheres. Ao longo da história da Universidade a cada ano fomos ampliando o quantitativo de mulheres nos cargos de direção em diversos setores. Atualmente temos a Resolução nº 53/2021-CD, que regulamenta a disponibilização de 50% das vagas na gestão superior da Uern para servidoras mulheres. Essa sem dúvida se constitui numa vitória importantíssima no que diz respeito à valorização das mulheres que fazem essa Instituição”, frisa.
A coordenadora do Fórum de Diretoras e Diretores da Uern, Meyre Ester Barbosa, que as mulheres na gestão representa uma inspiração para outras mulheres, para que elas possam ocupar o lugar que desejarem. “Historicamente têm sido reservados à mulher os espaços domésticos e/ou secundários, enquanto ela busca outros espaços/tempo de atuação. Contudo, a luta, a resistência e a ousadia de muitas mulheres vem mudando gradativamente esse cenário. Dentro desse contexto se torna cada vez mais relevante que as mulheres assumam postos de gestão, na pesquisa e em qualquer espaço que elas desejem. Tal postura inspira, empodera e leva a mudanças de perspectiva”, finaliza.
O protagonismo feminino na Uern é substancial, muito significativo, ele salta aos olhos, tem uma significância muito grande pelo aspecto da representatividade, a gente passa uma mensagem muito clara para as mulheres e meninas da nossa sociedade, que elas realmente podem estar onde elas quiserem. A Universidade que tem a marca da inclusão e diversidade não pode ser diferente.
Fernanda Abreu – Pró-reitora de Ensino de Graduação
Estar à frentre da Prae é um grande desafio, pois estamos tratando do bem mais precioso que a Universidade tem, que são os estudantes. É um desafio diário, especialmente enquanto mulher, pois somos exemplo, onde protagonismo feminino vem se evidenciando. E a gente recebe esse desafio de forma muito positiva.
Ana Angélica – Pró-reitora de Assuntos Estudantis
Eu acredito que a representação da gente em espaços que valorizam a mulher, é um exemplo para outras mulheres, para mostrar que nós podemos ser o que quisermos. Na parte de pesquisa e pós-graduação é um exemplo maior ainda, porque é um espaço que historicamente foi do homem. Isso mostra que a mulher pode estar, sim, à frente da pesquisa, da pós-graduação.
Ellany Gurgel – Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação
Todo dia, enquanto mulher, a gente levanta, luta, conquista e agradece, então nós estamos numa Instituição onde temos a maioria das pró-reitoras mulheres e isso é extremamente significativo, estimulando a equidade de gênero na instituição como um todo. Isso é extremamente importante, pois reforça a ideia de que a mulher pode estar onde ela quiser.
Isabel Amaral – Pró-reitora de Gestão de Pessoas
As mulheres têm um olhar diferenciado. E na gestão, a gente consegue ver a instituição como um todo. Com muita satisfação, as mulheres na gestão estão tomando decisões importantes, estamos fazendo história, vendo a universidade crescer e se desenvolver. Sempre com muito diálogo estamos conseguindo avançar e chegar com soluções.
Simone Gurgel – Pró-reitora de Administração
É uma grande responsabilidade para nós, mulheres. A jornada da mulher é diferente da do homem, porque a gente assume diferentes papéis, na gestão, como professora, como mãe.. Isso mostra o quanto a mulher é comprometida com o que fez, e mesmo diante de toda a carga de trabalho em diferentes jornadas, a gente faz o melhor possível.
Fátima Raquel – Pró-reitora de Planejamento, Orçamento e Finanças
Graduandas falam da importância da representatividade feminina em cargos de gestão
Quando Lorena Maria ingressou na Uern e começou a passear pelos corredores do Campus Mossoró, percebeu, nas placas de formatura, uma maior presença masculina. A estudante de Direito também notou que os homens apareciam muito mais em fotografias antigas, sejam diretores de faculdade, chefes de departamento de cursos, reitores e homenageados de uma maneira geral.
Com o passar do tempo e a cada dia de vivência na graduação, se tornou claro para a diretora da Revista Lampiar, que estamos vivendo hoje, felizmente, em uma era que coloca as mulheres na centralidade das decisões. São exemplos disso a reitora atual, as pró-reitoras, as chefes de departamento, diretoras, representantes de centros acadêmicos e Diretório Central dos e das Estudantes (DCE), que ocupam os espaços de protagonismo feminino dentro da Universidade. Espaço esse que passou anos para que pudéssemos adentrar e sermos reconhecidas como expoentes de comprometimento e competência”.
Para Estefane Maria, presidenta do DCE Anatália de Melo Alves, é inegável os avanços a partir de uma maior presença feminina nos cargos de gestão em todos os âmbitos, com mulheres em posição de liderança, o que é imprescindível, segundo a estudante, para uma Uern, de fato, socialmente referenciada.
“Mas não temos como falar em protagonismo feminino sem dizermos que ainda estamos longe do ideal. Para nós do movimento estudantil, essa é uma das pautas mais caras a ser construída e debatida na Universidade. Estamos, muitas vezes, em lugar de destaque e liderança, como, por exemplo, à frente de pró-reitorias, mas é preciso construir uma narrativa na qual os homens respeitem nossos cargos e atribuições. O mundo que a gente quer transformar passa, de maneira muito expressiva, pela Uern e, para isso, é preciso que estejamos juntas, marchando no coletivo, mas sempre na velocidade de quem vem mais atrás”, analisou a estudante.
A professora Suamy Soares, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre a Mulher (NEM) Simone de Beauvoir, argumenta que a Universidade tem uma função social e precisa estabelecer espaços de pesquisa, extensão e ensino que fortaleçam a igualdade entre os gêneros em nossa sociedade.
“A Uern exerce importante papel no RN no sentido de formação de professores e profissionais diversos que atuam nas políticas públicas, tais como advogados, assistentes sociais, sociólogos, médicos, enfermeiros e pedagogos. De forma que fomentar a igualdade de gênero dentro e fora dela é parte de nosso papel como universidade”, argumenta.
Participação de mulheres cresce em ações de ensino, pesquisa e extensão
Além dos cargos de chefia na Uern, as mulheres têm se destacado em ações de ensino, pesquisa e extensão. Elas vêm ocupando espaços na graduação, à frente de projetos de pesquisas, na direção de Programas de Pós-graduação, em ações de extensão. Em todos lugares na Universidade, as mulheres vêm galgando o seu lugar de direito e deixando a sua marca de qualidade.
No Sistema de Seleção Unificada (SiSU) 2023, a Uern teve 2.453 candidatos aprovados, dos quais 1.418 foram mulheres, ou seja, 58% do total. O número representa um crescimento na inserção da mulher nos cursos de graduação, quando comparado a anos anteriores. Em 2022, haviam sido 1.355 aprovadas, o que representa um crescimento de 4,6%. Já o número de homens, em contrapartida, decresceu 2,5% entre os aprovados. Foram 1.035 em 2022 e 1.062 em 2023.
Para a titular da Pró-reitoria de Ensino de Graduação (Proeg), professora Fernanda Abreu, os números do SiSU provam, concretamente, que “nós somos uma universidade inclusiva, includente e socialmente referenciada. Um grupo vulnerabilizado, como é o grupo das mulheres, precisa ocupar cada vez mais espaço na nossa sociedade, e a Universidade é um dos espaços mais importantes que existem, porque nós estamos construindo as mentes que gerem a nossa sociedade, dando a contribuição para a nossa vida, enquanto cidadãos, e isso é incalculável”.
Na Pesquisa e Pós-graduação, as mulheres estão fazendo bonito. Elas estão cada vez mais presentes em pesquisas, nos laboratórios, liderando estudos, com pesquisas de qualidade e de relevante impacto social.
De acordo com dados da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (Propeg), dos projetos do Programa de Iniciação Científica e Programa de Iniciação Tecnológica (PIBIC/PIBIT) desenvolvidos na Uern, quase metade são coordenados por elas. Dos projetos de iniciação científica e de iniciação tecnológica, 129 são coordenados por mulheres, e 131 coordenados por homens, ou seja, 49,6% dos projetos têm liderança feminina.
Com relação à participação discente, dos projetos Pibic/Pibiti da Uern, elas são maioria. Dos discentes dos cursos de graduação envolvidos em projetos de pesquisa na Universidade, 216 são discentes mulheres e 152 discentes masculinos.
Já se tratando de edital de fluxo contínuo, as mulheres na Uern também têm participação efetiva. Dos coordenadores, são 26 docentes mulheres em pesquisas ativas, enquanto os docentes somam 34.
Na composição de servidores da Universidade , há um equilíbrio entre os gêneros. Entre os(as) docentes da Uern, há uma maior presença masculina, com 412 homens. Elas somam 360. Quando se fala em técnicos-administrativos, há quase um empate, porém há mais mulheres (335) que homens (330) trabalhando como servidores em diversas funções nos campi de Mossoró, Assú, Caicó, Natal, Patu e Pau dos Ferros.
Outro avanço significativo com relação à política inclusiva das mulheres, em especial às mulheres transexuais e travestis, foi a criação da Diretoria de Ações Afirmativas e Diversidade (Diaad). Instalada em novembro de 2022, a Diretoria representa um avanço na consolidação da Uern como um espaço vestido de povo, de todas os gêneros, cores, raças e nacionalidades. O objetivo é promover e concretizar políticas de promoção da igualdade e o reconhecimento das diferenças e diversidades na Instituição.
Um dos setores da Diaad é o eixo Relações e Identidade de Gênero, Direitos das Mulheres e da Comunidade LGBTQIA+, que é coordenado por Suamy Soares.
Entre outras atribuições da Diretoria, a proposta é promover a sensibilização e a mobilização da comunidade universitária e a sociedade em geral para a convivência cidadã com as várias realidades presentes na diversidade social relacionadas à gênero e sexualidade, à tradição das culturas, etnia, refúgio e migrações; bem como a promoção de ações que possibilitem a reversão do cenário de discriminação das populações às quais tais políticas se destinam.
Projetos do PIBIC
- 129 coordenados por Mulheres
- 131 coordenados por Homens
- 216 discentes feminino no Pibic/Pibiti
- 152 discentes masculino no Pibic/Pibiti
Edital de fluxo contínuo - Coordenadores
- 26 docentes mulheres em pesquisa ativas;
- 34 docentes homens em pesquisas ativas;
Atendimentos de saúde em parceria com o Hospital da Mulher
O Hospital da Mulher Parteira Maria Correia, cuja gestão acadêmica é feita pela Uern, oferece diversos atendimentos para mulheres e pessoas trans. Uma vez dando entrada, o(a) paciente recebe todo o suporte, em um só local, de uma equipe multiprofissional comprometida e humanizada.
Consultas, exames laboratoriais e de imagem, práticas integrativas estão a disposição desses públicos numa parceria entre a unidade hospitalar e a Universidade.
“A gente quer que o paciente entre com a sua demanda e saia sem nenhuma. O que ela necessitar pode ser feito no próprio hospital ou ser encaminhado para um destino certo, sem precisar que fique peregrinando pela rede de assistência, o que é muito comum”, explicou a enfermeira Hosana Mirelle, técnica administrativa da Uern, responsável pela direção da gestão acadêmica do Hospital.
Com relação à população trans, a estrutura de saúde atende em toda sua integralidade, inclusive com hormonização (também conhecida por terapia hormonal ou hormonioterapia) e atendimento multiprofissional. Posteriormente, serão oferecidas cirurgias transexualizadoras, como a remoção das mamas, por exemplo.
Texto em colaboração com Bruno Soares