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Reflexões sobre os desafios e responsabilidades das universidades públicas marcam abertura do I Congresso Nacional Uern

“A tinta pinta o asfalto/Enfeita a alma motorista/É a cor na cor da cidade/Batom no lábio nortista/O olhar vê tons tão sudestes/E o beijo que vós me nordestes/Arranha céu da boca paulista”

Foi com a poesia da música “Béradêro”, do paraibano Chico César, que a professora Roberta Traspadini, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), introduziu a conferência de abertura do I Congresso Nacional Uern: Saberes em desafio, na noite desta segunda-feira (21).

Faixa inicial de “Aos vivos”, álbum de estreia do cantor, “Béradêro” apresenta uma superposição de cenas alegóricas que remetem a temas como pluralidade, desigualdade e marginalização – tópicos que também se fizeram presentes na conferência, cujo tema, “A educação no século XXI: saberes em desafio”, norteou os diálogos neste primeiro dia do evento.

Realizado até o dia 25 de setembro, o congresso integra as ações de celebração dos 52 anos da UERN, reunindo mais de 40 atividades entre mesas-redondas, oficinas, minicursos, apresentações culturais, conferências e manifestações artísticas.

“Nada mais estratégico e emblemático do que pensarmos, neste momento, que estamos vivendo desafios que fizeram com que nosso ‘saber fazer’ tivesse que ser reorientado, das atividades presenciais para a atividades remotas, nos levando a pensar além do que estávamos acostumados”,  destacou a vice-reitora da Uern, Fátima Raquel, durante a abertura do evento.

“Esse congresso faz com que pensemos, através da pesquisa, da extensão, da cultura, da arte, que há inúmeras possibilidades para viver esse dia a dia, e não nos deixarmos consumir pelos desafios que esse contexto nos apresentou. Nós que fazemos a Uern nos preocupamos mais do que nunca com a segurança de todos que fazem parte da nossa comunidade, mas também nos preocupamos em manter nossa universidade cada vez mais viva, respeitando e abraçando as nossas responsabilidades”, complementou a vice-reitora.

As diversas possibilidades e oportunidades advindas da cultura, da arte e da extensão universitária para comunidade acadêmica, citadas por Fátima Raquel, foram um dos pontos centrais da conferência da economista e professora Roberta Traspadini, mediada pelo professor Etevaldo Almeida, subchefe de gabinete da Reitoria da Uern.

Cinco desafios
Ao longo da apresentação, Roberta Traspadini apresentou cinco desafios principais que hoje se apresentam às instituições públicas de ensino superior. O primeiro deles, apontou, é a tendência de um esvaziamento da memória e da história, diante da aceleração das diferentes relações travadas na sociedade e da necessidade, para a maioria das pessoas, de  empregar cada vez mais tempo para garantir mínimo de recursos fundamentais para a sobrevivência.

“É impossível pensar a memória e história sem repensar o papel da extensão numa sociedade produtivista e o papel do ensino nessa equalização de controlar o tempo numa sociedade em que o tempo nos controla”, ilustrou a professora, acrescentando a importância da escuta ativa para a produção de saberes, dentro de uma lógica de desaceleração e valorização de novos sentidos para o saber científico.

O segundo desafio, pontuou, refere-se à práxis produtiva das universidades, considerando o mundo do trabalho, dentro e fora das instituições. “Quanto mais o mundo do trabalho se precarizar, mais a universidade precisa se refazer do movimento que até então tinha como seu contínuo. É preciso se perguntar, por exemplo, se as nossas universidades oferecem, para as pessoas que vivem o mundo do trabalho, mais cursos diurnos ou noturnos. Os nossos currículos levam em conta essas experiências e esses saberes? O tempo do trabalho é compatível com o tempo educativo?”, questionou a professora, ressaltando a relação direta entre a precarização do trabalho e a evasão no ensino.

Para Roberta Traspadini, o terceiro desafio das universidades públicas hoje é a relação com a arte, sobretudo através da extensão. Esse processo, frisou, deve atingir tanto a comunidade externa quanto a própria comunidade acadêmica, permitindo às manifestações artísticas se fazerem presentes na própria estrutura das universidades e em espaços de relações, como as salas de aula, eventos e reuniões, possibilitando um aproveitamento mais efetivo das possibilidades de produção acadêmica e de criação de sentidos.

Conhecimento popular
Já o quarto desafio se refere à relação entre a práxis intelectual e a práxis popular, devido à interpretação do conhecimento intelectual como superior, e não complementar, a outros tipos de saberes. “O trabalho intelectual, somado ao manual, origina sínteses potenciais incríveis, nem melhores, nem piores – diferentes. Teria a caneta tanta força se não fosse a enxada?”, sintetizou. A professora reforçou ainda a necessidade de socialização do conhecimento produzido e também das possibilidades de rompimento das estruturas institucionalizadas ligadas, por exemplo, à rigidez dos formatos exigidos em trabalhos de conclusão de curso.

Por fim, o quinto desafio apontado por Roberta está ligado ao acesso e às relações da comunidade em geral diante das universidades públicas. A professora citou o exemplo de pessoas que desempenham atividades gerais nas instituições, como serviços de limpeza e alimentação, que desconhecem o fato de que as universidades públicas são gratuitas.

“Quando essas coisas acontecem, é porque essa universidade estabeleceu um muro que não se abre como ponte para essas pessoas. E a universidade precisa repensar isso, se é muro ou se é ponte. E, se for ponte, qual é o acesso que ela tem permitido ou negado para cada grupo”, enfatizou a professora, que também enalteceu a trajetória da UERN e corroborou a necessidade da instituição refletir constantemente sobre sua atuação, suas relações e suas responsabilidades.

O sentido real
Se começou com poesia, a abertura do congresso não encerrou de forma diferente. Ao final da conferência, o professor Etevaldo Almeida ofereceu como “mimo” de agradecimento a Roberta Traspadini o poema “Sentido real”, de autoria do artista mossoroense José Gurgel, que dá nome à pinacoteca da Uern:

“Vim de longe, muito longe
Disposto a ficar
Trouxe no peito sofrido, mas não desesperado
A convicção e a certeza de conseguirmos
Essa vida um dia melhorar

Se lá aprendi sofrendo
A por tudo esperar

Aqui, aprendi a ter coragem
Sou cabra macho, valente,
Tenho sentido real para amar e para lutar
Morrer eu posso, se for necessário
Viver eu quero, se for para cantar
Louvando a educação
Aqui e em todo lugar”

 

VEJA MAIS:
A conferência de abertura pode ser assistida neste link.
A programação completa e demais informações sobre o congresso podem ser acessadas no site do evento.

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