A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern) participa de um projeto que vem diminuindo as mortes de Sterna dougallii – uma ave migratória popularmente conhecida como Trinta-réis-róseo -, em Galinhos, município localizado no litoral norte potiguar. Ameaçada de extinção, as aves acabavam colidindo com linhas de energia. A partir da instalação de sinalizadores nos fios, o número de casos caiu consideravelmente nos últimos anos.
O problema foi detectado pelo Projeto Cetáceos da Costa Branca (PCCB) da Uern e pelo Centro de Estudos e Monitoramento Ambiental (Cemam), uma organização sem fins lucrativos que pesquisa a vida marinha. Foi verificado, a partir de 2014, um aumento do número de mortes dessas aves próximas a uma linha de distribuição de energia, entre as comunidades de Galos e Galinhos.
Alguns desses animais encontrados após as colisões possuíam anilhas americanas. Os anilhamentos haviam sido feitos por Helen Hays, pesquisadora que atuava em Great Gull Island, em Nova Yorque, Estados Unidos, que revelou preocupação, uma vez que o trinta-réis-róseo corre riscos no mundo todo de ser extinta. Em seguida, Hays intermediou o contato da Uern com a pesquisadora Joan Walsh, da ONG Massachusetts Audubon Society, que veio até o local, em 2018, analisar de perto o cenário.
Entre 2014 e 2017, morreram 150 aves, sendo 06 em 2014, 20 em 2015, 14 em 2016 e o pico em 2017, com 110 ocorrências. O crescimento pode estar relacionado à construção de um parque éolico próximo ao local, que influenciou nas rotas das aves, fazendo com que as mesmas se aproximassem ainda mais das linhas de energia.
“A partir de 2015 nós temos um aumento no número de colisões depois da construção de um parque eólico na região, em 2014. Esse parque reduziu o habitat dos animais e mudou a dinâmica de voo das aves, levando elas a transitar mais próximo à linha e consequentemente causando um aumento nas colisões”, explicou Rafael Ângelo Revorêdo, biólogo do Cemam e do Projeto Cetáceos, que esteve nos Estados Unidos no ano passado para monitorar a reprodução dos trinta-réis-róseos na colônia reprodutiva de Great Gull Island.
Após reuniões, pesquisas e notas técnicas, os pesquisadores chegaram à conclusão que deveria haver sinalizadores nos fios de energia para alertar os animais do perigo. O U.S. Fish and Wildlife Service, através da Mass Audubon, financiou cerca de 104 mil dólares para a realização dos estudos e aquisição dos materiais.
Para proporcionar visibilidade 24 horas por dia, os marcadores escolhidos têm dois tipos de fitas – uma que reflete a luz do sol e outra que absorve a energia solar durante o dia e brilha à noite.
As oscilações de colisões nos anos anteriores à colocação dos sinalizadores são atribuídos principalmente a uma possível dinâmica natural de presença ou ausência das aves na região, segundo Revorêdo.
“Na verdade, nós nem consideramos estaticamente como uma redução em 2018 e 2019. Não há diferença significativa em relação aos anos com altas colisões. A redução mesmo só veio em 2021 com a instalação dos marcadores nas fiações”, completa.
Em 2020, o monitoramento na região aconteceu de forma parcial em virtude da pandemia de Covid-19. Dessa forma, acrescenta o pesquisador, os dados não refletem o mesmo esforço amostral dos anos anteriores e podem estar subestimados. De qualquer forma, foram contabilizadas 10 mortes.
Depois da instalação dos sinalizadores, foram registrados 12 casos em 2022 e, até o momento, 20 em 2023.
Atividades complementares também se somaram ao monitoramento da linha de distribuição de energia. Novas áreas de risco foram identificadas e passaram a ser monitoradas, como é o caso de um trecho da rodovia estadual RN-402. Além disso, foram realizados estudos de observação de trinta-réis em cinco pontos da região da península de Galinhos para identificar como se dá a utilização da área pelas aves.
O professor Flávio Lima, coordenador geral do Projeto Cetáceos destaca o importante papel da Uern na criação de uma rede de pesquisadores e instituições do Brasil e de outros países, na elaboração de projetos para captação de recursos e na participação de proposição de medidas com base científica na mitigação dos impactos relacionados a mortandade das aves.
“A Uern está aí cumprindo sua missão de ensino, pesquisa e extensão de forma a integrar a sociedade, diversos atores e instituições governamentais e não-governamentais para ampliar o conhecimento científico e desenvolver estratégias de conservação das espécies e dos ambientes em que ocorre”, finalizou.
Trinta-réis-róseo
De cor predominantemente branca, e com a região superior da cabeça preta, os trinta-réis são aves carismáticas que encantam admiradores de todo o mundo.
A espécie Sterna dougallii, conhecida como trinta-réis-róseo, gaivotinha, andorinha-branca ou andorinha-do-mar-rósea pode pesar cerca de 119 gramas e possuir 79 cm de envergadura. Elas surpreendem pela capacidade de migrar grandes distâncias todos os anos. Pouco antes do início do inverno rigoroso do Hemisfério Norte, elas voam de países como Canadá e Estados Unidos, e migram para a América do Sul em busca de um clima mais ameno, fartura de alimentos e bons locais de descanso.
Quando a temporada de inverno no Hemisfério Norte chega ao fim elas batem asas de volta para lá e iniciam a temporada de reprodução, que é quando esses animais se reúnem em colônias de nidificação e realizam esforços para perpetuar a espécie.
Para ser um animal marinho é necessário que o animal dependa de recursos que sejam advindos do mar e possuam adaptações para viver nesse ambiente (como glândulas de sal, no caso das aves marinhas). Os trinta-réis se alimentam de peixes do ambiente marinho. Durante a maior parte do dia forrageiam no mar, já a noite descansam em praias e bancos de areia. É por isso que são consideradas de aves marinhas.
Para capturar ou pescar os peixes, os trinta-réis sobrevoam o mar observando a água em busca de cardumes de pequenos peixes que fazem parte da sua dieta. Quando elas, enfim, encontram os peixes, realizam mergulhos de pouca profundidade, capturam os peixes com o bico e voam em busca de mais peixes.
Seu nome popular é atribuído à dificuldade e raridade de antigamente se encontrar um exemplar da espécie. Era tão escasso quanto moedas de trinta-réis (unidades monetárias de Portugal e Brasil, por exemplo) no passado.