Superando as limitações, preconceitos e tantas outras dificuldades de se fazer arte no Brasil, o cinema nordestino vem mostrando o seu valor e conquistando o mundo com a qualidade de suas produções. Prova disso é o filme Pacarrete, que fará sua estreia internacional no “Shanghai International Film Festival” (SIFF), um dos maiores festivais de cinema do mundo.
Em sua 30ª edição, o festival asiático recebeu 3.964 filmes inscritos, de 112 países. “Pacarrete” compõe a mostra competitiva oficial que conta com 15 longas de ficção de todo o mundo e concorrem ao grande prêmio do festival, o Golden Goblet Awards. O evento será realizado entre os dias 15 e 24 de junho.
O filme é composto por profissionais nordestinos, entre eles o egresso do curso de Comunicação Social – habilitação Rádio e TV, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), André Araújo. O jovem cearense assina o roteiro do longa-metragem, que conta a história de Maria Araújo Lima, uma icônica moradora de Russas (CE), que gostava de ser chamada de Pacarrete.
“Ela é minha tia-avó. Assim como Pacarrete, eu também sou cearense de Russas. Cresci ouvindo histórias sobre ela, sobre o seu jeito afetado e afrontoso, muitas vezes incompreendido”, relata Araújo. “Pacarrete” é uma jornada pela mente de sua protagonista e “estabelece um diálogo entre o presente e o passado, a realidade e a utopia. O tom biográfico é atravessado pelo universo fantasioso da personagem que mescla instantes de lucidez e loucura”, conta.
A premiada atriz paraibana Marcélia Cartaxo dá vida a Pacarrete. O elenco principal conta com as atrizes paraibanas Zezita Matos (“Onde Nascem os Fortes”) e Soia Lira (“Tatuagem”), o ator baiano João Miguel (“3%”), os cearenses Débora Ingrid (“A História da Eternidade”), Samya de Lavor (“O último Trago”), Edneia Tutti e Rodger Rogério (Bacurau), além da participação de atores e atrizes da própria cidade. O filme é dirigido por Allan Deberton. Também fazem parte da equipe de roteiro Samuel Brasileiro, Natalia Maia e o próprio diretor do longa-metragem.
André Araújo lembra que sua história com o audiovisual teve início na faculdade. “Eu entrei na UERN em 2012, foi quando passei a me interessar pelo audiovisual e comecei a produzir de forma amadora pequenos vídeos”, relata. Desde então, o jovem assina importantes produções. “Fizemos em 2017 a adaptação para o teatro ‘A hora da estrela’, de Clarice Lispector. Ano passado, dividimos a direção do especial de natal para a TV Globo “Baião de Dois”, que o roteiro também é meu”, diz.
O convite para André Araújo trabalhar no projeto surgiu ano passado quando Allan Deberton ganhou o edital Longa BO Ficção e ainda estava em fase de desenvolvimento do roteiro. Para ele, ver o filme Pacarrete estrear internacionalmente é motivo de grande orgulho.
“Ver nosso filme em Xangai, em um grande festival, é mais do que uma realização pessoal ou profissional, é uma resposta a ofensiva que estamos vivendo, com cortes na educação, com a extinção do Ministério da Cultura, suspensão de editais público de fomento ao audiovisual. E isso nos inspira a continuar produzindo e a contar histórias, como a de Pacarrete, uma mulher que teve a ambição de viver da sua arte até os últimos dias de sua vida”, declara.
O filme
Pacarrete é um longa-metragem de ficção, inspirado na história de vida da bailarina Pacarrete. O filme foi gravado na cidade de Russas-CE e aborda questões como a loucura, a permanência do sonho e o drama da velhice de uma bailarina clássica, registrada como Maria Araújo Lima – mas autobatizada como Pacarrete, margarida em francês, como gostava de ser chamada e até hoje é lembrada por todos na cidade.
Nascida e criada em Russas, alimentou desde criança o sonho de ser artista e viver a vida na ponta da sapatilha, mesmo sendo de uma cidade conservadora onde mulher nasceu para casar e ter filhos. Mas é em Fortaleza que ela consegue estar no centro dos palcos como bailarina clássica e se tornar professora de ballet. Com a aposentadoria, a russana retorna a sua cidade natal, onde pretende dar continuidade ao seu trabalho artístico, mas só se depara com desrespeito à sua arte.
Pacarrete continua respirando ballet e traduzindo sua vida em sequências de pliés e demi-pliés, à guisa de ribalta, nas calçadas e praças da cidadezinha. Em vez de plateias de admiradores e aplausos, ela se defronta com a troça e o despeito daqueles que cruzam seu caminho. A bailarina de outrora, que acredita ainda ser, transformou-se, no imaginário popular, na “Louca da cidade”.