Tecnologia eletroquímica aliada no processo de descontaminação de águas e esgotos

Contaminantes emergentes como pesticidas, fármacos, hormônios, fenóis, produtos petroquímicos e outros compostos orgânicos tóxicos vem sendo, cada vez mais, encontrados nas águas dos rios, lagoas e açudes, colocando a saúde humana e a vida aquática em grave risco. Essas substâncias vão se acumulando no organismo humano, sorrateiramente, e quando são percebidas (anos depois), as consequências já são danosas. Pensar alternativas para essa problemática é uma das preocupações da equipe de pesquisadores do Laboratório de Eletroquímica e Química Analítica (LEQA) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern).

Visando detectar poluentes na água, tratar e promover o reuso de esgotos domésticos e industriais, e gerar produtos de valor agregado a partir de resíduos, os pesquisadores desenvolvem sensores eletroquímicos para detectar reações de oxidação ou redução dos contaminantes, que geram sinais elétricos característicos, como uma digital, possibilitando detectá-los nas águas.

Segundo a Profª. Drª Suely Souza Leal de Castro, coordenadora do LEQA, “o contaminante apresenta uma resposta eletroquímica característica, com a geração de uma corrente em um potencial elétrico específico. Este potencial permite identificar a substância, já a corrente, que é diretamente proporcional à concentração, permite quantificá-la”, explica.

Esses sensores de análise de água são simples, rápidos, sensíveis e de baixo custo, não requerem processos de separação do contaminante, nem pré-tratamentos trabalhosos e caros. Além disso, possibilitam realizar análises in loco e os resultados são obtidos em tempo real.

“O trabalho de diagnóstico e monitoramento da qualidade das águas é de extrema importância. Ele nos permite não somente conhecer quais os contaminantes presentes, como também permite evitar que águas contaminadas sejam distribuídas à população; além de direcionar as pesquisas de desenvolvimento de novos sensores e dar indicativos de quais metodologias de tratamento de águas e esgotos são mais adequadas para serem implementadas”, informa a pesquisadora.

Além de Suely Leal, a pesquisa é conduzida pelo professor Keurison Figueredo Magalhães, e conta com importantes colaborações na região, como os professores Carlos Alberto Martínez-Huitle e Elisama Vieira dos Santos (UFRN), Adriana Nunes Correia (UFC) e Thiago Mielle B. F. Oliveira (UFCA), além das colaborações nacionais e internacionais.

Uma nova etapa de avaliação da qualidade das águas superficiais e subterrâneas do Estado do Rio Grande do Norte, conduzida via Programa Água Azul, financiado pelo IDEMA, será iniciada. Os pesquisadores da Uern serão responsáveis pelas coletas e análises de amostras de águas de rios e açudes da Bacia Hidrográfica Apodi-Mossoró.

Serão realizadas análises de benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno (conhecidos pela sigla BTEX), fenóis, metais pesados, agrotóxicos, surfactantes, além das análises físico-químicas tradicionais e biológicas (coliformes e densidade de cianobactérias); e envolverá quatro laboratórios de pesquisa da Uern.

Tratamento e reuso de esgotos domésticos e industriais

Os pesquisadores vem desenvolvendo novas tecnologias para tratar águas e efluentes domésticos e industriais contaminados. A tecnologia eletroquímica utiliza um sistema simples, alimentado por uma fonte de energia elétrica, composto por uma célula/reator eletroquímico, que nada mais é do que um compartimento onde são instalados dois eletrodos imersos na amostra a ser tratada. Muitos efluentes (esgotos) já tem uma boa condutividade elétrica, o que permite que a corrente elétrica seja transportada no reator, produzindo oxidantes (como radicais hidroxila e cloro ativo) que reagem com os poluentes/contaminantes, degradando-os.

“O objetivo é diminuir, ao máximo, a concentração de compostos orgânicos (poluentes / contaminantes) presentes nos efluentes, de forma a poder reutilizá-los ou descartá-los em um sistema aquático sem prejudicá-lo”, diz a professora.

“Em nosso laboratório (LEQA/Uern), nós sintetizamos efluentes contaminados com pesticidas, corantes, fármacos, compostos fenólicos, compostos petroquímicos etc., para simular efluentes reais e avaliarmos a eficiência da tecnologia empregada. Mas também tratamos efluentes reais, como aqueles provenientes da extração de petróleo, do beneficiamento da castanha de caju e da produção de camarão em cativeiro, com resultados muito interessantes”, informa.

As tecnologias eletroquímicas avançadas são alternativas muito promissoras, pois na sua aplicação não são utilizados produtos químicos, e quando são, as quantidades são mínimas; por isso, são consideradas tecnologias limpas. Além disso, não geram resíduos (lodos) que requerem tratamento, como ocorre quando se usam os métodos convencionais de tratamento.

O trabalho ainda está sendo desenvolvido em escala de laboratório, mas a Profa. Suely explica que, no futuro, estas tecnologias podem vir a ser empregadas nas estações de tratamento de água (ETA) e de esgotos (ETE) para remover esses contaminantes emergentes, que são tão prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente.

Estudantes do grupo da pesquisa

Geração de produtos de valor agregado a partir de resíduos

Em uma nova linha de estudo, iniciada recentemente, os pesquisadores avaliam a geração de produtos de valor agregado a partir de resíduos, aproveitando o processo de tratamento eletroquímico dos efluentes do beneficiamento da castanha de caju.

Conforme Suely Leal, a síntese de produtos orgânicos a partir de resíduos líquidos pode ter um impacto significativo na sustentabilidade ambiental devido às suas vantagens como versatilidade e compatibilidade ambiental (possibilidade de recuperar e reciclar compostos antes de serem destruídos).

O lodo gerado pelas indústrias durante seus tratamentos de efluentes também tem sido reciclado pelos pesquisadores. Recentemente, eles desenvolveram um sensor eletroquímico para análise de metal pesado, permitindo a determinação de chumbo em águas naturais (água de rio) com boa sensibilidade e seletividade.

“A tecnologia eletroquímica tem muito a contribuir com a sustentabilidade ambiental e a economia circular, reduzindo custos para as empresas e melhorando a qualidade de vida da população, por meio da retirada de resíduos do ambiente”, frisa a pesquisadora.