Nas telas de cinema, a complexa interação entre homens e máquinas tem sido abordada em diferentes obras, sob os mais variados aspectos. Robôs altamente tecnológicos, sistemas operacionais avançados, inteligência artificial são alguns dos temas recorrentes de enredos, desde os mais alarmantes cenários até a história de máquinas que experimentaram as complexidades da vida humana.
Há pouco mais de 20 anos, com o filme A.I.: Inteligência Artificial (2001), Steven Spielberg já imaginava um futuro onde a interação entre humanos e máquinas transcendia as barreiras tecnológicas, adentrando em uma esfera mais emocional, humanizada. No longa, é possível acompanhar a saga de um menino robótico, criado com tecnologias altamente avançadas, em busca de se tornar uma pessoa “real”, a fim de recuperar o amor da sua mãe humana.
Com uma abordagem mais romântica, o filme Her (2013), de Spike Jonze, explora a relação de um escritor solitário que se apaixona pela voz de uma assistente virtual. Baseada em Inteligência Artificial, a entidade intuitiva e sensível chamada Samantha é capaz de aprender rapidamente a partir do comportamento do usuário e evoluir com suas próprias experiências.
Muito dos aspectos tecnológicos de ambos enredos, até então considerados ficcionais, hoje já são identificados na atual realidade. O uso da inteligência artificial e de softwares que identificam emoções está cada vez mais presente no cotidiano das pessoas. A tecnologia tem se mostrado uma companheira dos seres humanos, capaz de contribuir significativamente para a saúde mental.
Há todo um campo da computação que estuda e desenvolve produtos e aplicações capazes de detectar e/ou influenciar sentidos, sensações e sentimentos humanos. E é nessa área da computação afetiva que pesquisadores da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern) Natal vêm desenvolvendo estudos em busca de soluções tecnológicas que venham a facilitar a vida das pessoas.
Longe das produções de Hollywood, a abordagem sensível da computação afetiva afasta o avanço tecnológico dos cenários de ficção científica e o aproxima do contato humano, com o desenvolvimento e integração de sistemas robóticos ou avatares que são capazes de detectar, reconhecer, responder, influenciar e emular sentimentos humanos. Estudos na Uern Natal nesta área estão bastante avançados, inclusive, o desenvolvimento do Roboldo. A proposta é que este robô afetivo possa gerar inúmeros benefícios sociais, inclusive emocionais. O projeto visa desenvolver um algoritmo capaz de reconhecer a emoção de seres humanos em diferentes meios, como vídeo, áudio e até redes sociais.
O projeto está sob a coordenação do Prof. Dr. Raul Benites Paradeda e o apoio do Prof. Dr. Anderson Abner de Santana Souza, atual coordenador do Laboratório de Aprendizagem Robótica (LAR), do curso de Ciência da Computação – Uern Natal. Referência no tema computação afetiva no Brasil, o professor Raul Benites Paradeda teve o contato com a tecnologia dos robôs afetivos na Europa, quando fez o seu doutorado. Apaixonado, trouxe a proposta de tema de pesquisa para o país. “No Brasil, esse conceito de computação afetiva é muito embrionário. Sou um dos primeiros pesquisadores da área, inclusive, fui convidado pela Universidade de São Paulo (USP) para colaborar em um pós-doutorado a distância sobre o tema”, comenta.
Desde que voltou do doutorado, há uns quatro anos, decidiu se dedicar à construção de um robô afetivo, com baixo custo. “Há muitos robôs afetivos no exterior, mas os custos são altíssimos, chegando a custar R$ 200 mil reais. A nossa proposta era criar um robô afetivo, com um custo reduzido, que possa ser utilizado nas escolas, auxiliando no processo educacional”, comenta.
E foi através dessas pesquisas que nasceu o Roboldo, o primeiro robô afetivo do país, produzido com baixo custo. “O robô afetivo é resultado de trabalho de TCC de alunos e grupos de pesquisas”, informa o professor. Sua estrutura é feita com o sistema computacional, cano PVC e é revestido com feltro, cujo material foi produzido por uma artesã local.
“O desafio é fazer o Roboldo ser social, expressar sentimentos. As pesquisas que estamos desenvolvendo têm o intuito de fazer ele ser social, expressar sentimentos”, explica Raul Paradeda.
O primeiro passo para criar uma máquina afetiva é utilizar softwares e hardwares com sensores que permitam reconhecer emoções. Para tanto, os algoritmos devem ser capazes de reconhecer padrões e sinais da atividade facial, postura, gesto, tensão das mãos, atividade vocal, textual e eletrodérmica (EDA). Dessa forma, o sistema é capaz de reconhecer emoções básicas, como: raiva, nojo, medo, felicidade, tristeza e surpresa.
Após esta etapa, foram feitas as fases de teste. Os estudos foram feitos durante o GO RN do ano passado, considerado o maior evento de inovação e negócios do Rio Grande do Norte, que foi realizado em Natal.
“Durante o evento, colocamos o Roboldo para interagir com pessoas e observamos o comportamento dele e das pessoas. Colocamos cenários onde o Roboldo culpava as pessoas pelos erros dele no jogo da memória e no outro cenário ele culpava o programador dele. E podemos observar o que acontece com um ser humano quando ele está sendo culpado por um robô, ou o que acontece quando o robô culpa seu desenvolvedor. Nós observamos esse comportamento e escrevemos um artigo sobre isso”, revela Paradeda.
As próximas fases do Roboldo é fazer ele mexer os braços e colocar a inteligência artificial do Chat GPT para ele possa falar de forma autônoma.
Raul Paradeda informa que o Roboldo possui uma câmera para perceber as expressões das pessoas e reagir de acordo com as emoções. “Quando a gente conseguir fazer ele falar e ouvir, vai deixar ele mais interativo. Então, a partir desse momento vamos incluí-lo nas escolas”, afirma.
Conforme o pesquisador, há diversos estudos que avaliam a eficácia do uso de robôs afetivos no tratamento de doenças mentais e no acompanhamento de pessoas com deficiências. “No Japão, há um estudo que demonstra que os robôs afetivos auxiliam no tratamento de doenças mentais, como depressão. Pessoas em estado depressivo, em companhia de robôs, que respondem ao carinho e as emoções humanas, tiveram melhoras expressivas do seu quadro de saúde em poucas sessões. Também há casos de pessoas idosas em estado de depressão que começaram a sorrir e falar após o contato com os robôs”, revela.
A tecnologia afetiva também registrou efeitos positivos no tratamento de crianças com o espectro autista. “Há pesquisas que mostram casos onde a criança com autismo, que não consegue falar com o ser humano, consegue falar após ser estimulada pelo robô afetivo”, afirma.
Longe de substituir o contato humano, os robôs afetivos podem ser grandes aliados na educação inclusiva e no tratamento de doenças mentais, bem como na companhia das pessoas, tirando-as da solidão moderna.
PRÓ-HUMANIDADES
Dentro da área da união da robótica com a prática das emoções e na qualidade da educação, vem sendo desenvolvido no Laboratório de Aprendizagem Robótico (LAR), da Uern Natal, o projeto Pró-humanidades. A iniciativa é focada na formação de profissionais e professores da educação especial, principalmente de ensino infantil e médio, em uma perspectiva colaborativa no contexto da educação especial.
A proposta é qualificar e capacitar profissionais das áreas da educação e da saúde, com o objetivo de desenvolver e implementar recursos e estratégias de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa para alunos da educação especial.
Segundo o professor Wilfredo Blanco, o projeto visa trabalhar com crianças com deficiência. “O intuito é registrar o comportamento de crianças com deficiência para que, com o auxílio de softwares, possa ao longo do tempo serem estabelecidos padrões de ações, de modo a auxiliar os professores de educação especial na tomada de decisões”, informa.
Para a pesquisa, estão sendo analisadas 12 escolas da rede pública de Natal, sendo um caso em cada escola. “Com o auxílio da inteligência artificial, pretendemos identificar padrões de comportamento de crianças com deficiências”, afirma Blanco. Esses padrões têm o intuito de ajuda o educador e, consequentemente, proporcionar uma melhoria no ensino especial.
O projeto Pró-humanidades foi aprovado e financiado pelo CNPq desde 2022, e é desenvolvido por meio de uma parceria entre o departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a colaboração de vários laboratórios, incluindo o LAR-Uern.
Para o coordenador Abner de Santana, as tecnologias, quando bem utilizadas, podem ser um importante aliado dos educadores em sala de aula para integrar ou engajar os alunos ao ambiente de ensino, conquistando a atenção deles em ocasiões que, por vezes, são taxadas como monótonas, chatas ou sem importância.